Nossa História

Nossa filha tinha aproximadamente 1,80 m de altura e, recém havia ingressado na Universidade da Grande Dourados (UNIGRAN), no curso de Direito. Segundo ela mesma afirmava, estava “amando o Direito”.
     Voltando um pouco mais na história, no mesmo dia 5 de maio de 1981, na linda cidade de Bento Gonçalves – RS, nascia a nossa filha Paula, que foi esperada com muito amor para fazer companhia ao irmão Alexandre que tinha quatro anos e meio. Eu, minha esposa Ana Lucia e o filho Alexandre somos todos nascidos na cidade do Rio de Janeiro, e a nossa filha era gaúcha pela minha profissão de militar que sempre nos obrigava a mudar de cidades a cada dois ou três anos.
     Dentro das nossas possibilidades, a Paula teve uma infância tranqüila, mas quando completou seus doze anos, eu e minha esposa começamos a observar que ela, apesar de ser uma menina muito inteligente, com notas excelentes nas escolas que freqüentava, não tinha o hábito de cultivar muitas amizades. Hoje, após esse tempo decorrido, podemos afirmar que o motivo era as nossas constantes mudanças. Em certa oportunidade, quando mandamos que ela procurasse algumas colegas da escola para sair, conversar etc; ela nos disse: "prá que", pois se dali há algumas semanas nós estaríamos novamente nos mudando de Campinas para o Rio de janeiro.
      O tempo foi passando e após diversas transferências, chegamos à cidade de Dourados – MS. Aqui ficamos três anos e no início de 1997, nos mudamos para Brasília –DF. Lá, a Paula foi matriculada pela primeira vez em sua vida, no Colégio Militar. Ela estava adorando. Diariamente pela manhã, ela e muitas outras colegas que residiam na nossa superquadra, se dirigiam para o colégio, envergando com orgulho os seus uniformes e a tradicional boina bordô. Não raras tardes, ela e algumas amigas iam até um “Mac Donalds” que ficava próximo de onde morávamos.
     Quis o destino que essa momentânea felicidade fosse interrompida após seis meses de permanência da Capital Federal. Eu já tinha tempo suficiente para me aposentar e fui procurado por um amigo de Dourados que me convidou para retornar à cidade; já como civil e ingressar na iniciativa privada. Analisamos os prós e contras e resolvemos aceitar o convite do amigo e aqui estamos. Recordo-me que a Paula foi a única de nós quatro que demonstrou uma certa contrariedade no retorno. Ela estava adorando o Colégio Militar e a cidade de Brasília.
     No meio do ano, ela já estava matriculada, novamente na antiga escola de Dourados. Em dezembro de 1998, talvez para alegrá-la um pouco mais, conseguimos que ela fizesse uma cirurgia plástica para redução de mamas, que era uma das suas maiores frustrações o fato de não poder usar roupas mais decotadas ou “blusinhas de alça”.
     A cirurgia foi um sucesso e daí então, a nossa filha se mostrou uma menina mais alegre e abandonando certos preconceitos que tinha a seu respeito, de ser feia, muito alta, etc.
Daí iniciou-se um processo de querer emagrecer para ser modelo, ou para ser notada pelos rapazes. O processo durou cerca de um ano. Ela que tinha de início, 79 Kg, faleceu pesando 53 Kg.
     Desde quando notamos que havia algo de errado pela perda rápida de peso e a abstenção quase que completa de alimentação que contivesse açúcar, gordura e massas, nós procuramos um psiquiatra que passou a acompanhá-la. O peso continuava diminuindo. Cerca de dois meses antes dela falecer, notamos que o pouco que comia; cenoura crua, pepino, maçã com adoçante artificial e água, quase que imediatamente ela ia ao banheiro e os devolvia (bulimia). Procuramos novamente o psiquiatra e relatamos a descoberta; o mesmo pediu que a levássemos até ele ainda naquela tarde, pois anorexia com bulimia tornavam as coisas mais difíceis. Nós a levamos ao médico e ele disse que iria interná-la, pois do jeito que estava, não dava para continuar. Ela, muito esperta, e com o pretexto de não faltar às provas do primeiro bimestre do curso de direito que na semana seguinte se iniciariam, propôs que faria tudo que fosse mandado, desde que não se internasse. Assim foi feito; uma nutricionista foi procurada para acompanhar o tratamento e dois remédios foram prescritos: um antidepressivo que ela tomava à noite antes de dormir e, dez injeções de 20 cc que tinha que tomar diariamente, também à noite. Tudo foi feito, até parecia que as coisas estavam entrando nos eixos. A Paula quando retornava da faculdade por volta das 23 horas, se mostrava mais alegre, ia para a cozinha e fazia algo para comer antes de ir para o seu quarto e navegar na internet, que fazia diariamente até por volta das três horas da madrugada.
     Como fazíamos mensalmente, no dia 19 de maio de 1999 a levamos ao laboratório de análises clínicas para fazer exames de sangue. No dia 20, por volta da 13 horas, a minha esposa foi ao laboratório apanhar o resultado dos exames e, pela primeira vez, estava aparecendo uma discreta anemia e o colesterol total estava ligeiramente acima de 200.
     A minha esposa chegou com os exames e foi ao quarto acordá-la para informar que o “regime louco” que ela estava fazendo, já estava começando a dar problemas. A comunicação não foi possível, pois ela já estava desfalecida na sua cama. Nunca mais pudemos desfrutar do privilégio de tê-la ao nosso lado.
     Essa história já nos foi relatada por inúmeras jovens ou pais, que pela internet nos falam dos seus problemas com a anorexia e a bulimia. As histórias são sempre semelhantes apesar da distância que nos separam. As jovens sempre são inteligentes, bonitas, sofrem de uma depressão por um motivo qualquer, param de comer quase que por completo, as brigas em casa são constantes, os pais se desesperam, elas sempre têm uma desculpa para mudar de médico; não gostam de falar do problema com ninguém e quando descobrem que comentamos com algum parente ou amigo, viram “fera”.
     Creio que pudemos resumir um pouco do ocorrido com a nossa filha Paula. Não temos vergonha nenhuma em relatar os fatos para que outras jovens ou pais possam se inteirar da gravidade das doenças. Até pode ser que fomos incompetentes para salvar a nossa filha que tanto amávamos; mas jamais seremos omissos em nos fecharmos dentro da nossa dor e não compartilhar tudo aquilo que aprendemos sobre a anorexia e a bulimia, para as pessoas que hoje passam pelo mesmo problema que passamos.
     Se na época tivéssemos as informações de que hoje dispomos, talvez a nossa filha não tivesse falecido e o tratamento seria conduzido de outra forma.
     Cada mensagem que recebemos pedindo informações de como proceder com relação aos seus filhos (as) e o posterior retorno dizendo que já iniciaram o tratamento e os resultados positivos já estão se fazendo sentir, é uma alegria imensa para todos nós; eu, a Ana Lucia e o nosso filho Alexandre.
     Até hoje, creio sermos os únicos pais que admitem ter perdido uma filha ou filho para a anorexia ou para a bulimia; este é o motivo pelo qual estamos sendo procurados por centenas de jovens, pais e órgãos de imprensa do Brasil de diversas partes do Mundo.
     Que Deus acompanhe todos aqueles que possam ter a oportunidade de aprender alguma coisa com estas palavras e possam multiplicar essa corrente de solidariedade contra essas doenças que diariamente vêm vitimando as nossas jovens e estimuladas, talvez por desconhecimento, por grande parte da mídia impressa e televisada.

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